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“Passaram dos limites”: Veja as violações que a Globo pode ter cometido com drone filmando casa de Bolsonaro

Se a residência é inviolável até para agentes públicos sem ordem judicial, que dirá para uma emissora que decide vasculhar o interior de um lar com um equipamento aéreo.

Pablo Carvalho
Por: Pablo Carvalho
24/11/2025 às 09h53 Atualizada em 04/12/2025 às 10h01
“Passaram dos limites”: Veja as violações que a Globo pode ter cometido com drone filmando casa de Bolsonaro

A captura e divulgação de imagens internas da residência do ex-presidente Jair Bolsonaro, feitas por um drone da Rede Globo durante a visita do deputado federal Nikolas Ferreira, reacende um debate fundamental sobre os limites éticos, legais e constitucionais do jornalismo brasileiro. Em um país onde as instituições vivem dizendo que defendem o Estado de Direito, é no mínimo irônico observar uma emissora de comunicação ultrapassando justamente as fronteiras que a Constituição protege com tanto zelo: a casa, a privacidade e a intimidade do cidadão — seja ele quem for.

A primeira questão que salta aos olhos é a possível violação de domicílio, prevista no art. 150 do Código Penal. Ainda que ninguém tenha “entrado” fisicamente na casa, a doutrina já consolidou que a captura de imagens internas por meios indiretos — como câmeras e drones — pode equivaler ao ingresso não autorizado. Se a residência é inviolável até para agentes públicos sem ordem judicial, que dirá para uma emissora que decide vasculhar o interior de um lar com um equipamento aéreo.

Também pesa o fato de que a Constituição Federal, em seu art. 5º, assegura a inviolabilidade da vida privada, da intimidade e da imagem. Gravar e divulgar o interior de uma casa sem autorização afronta esse preceito de maneira direta. O Código Civil reforça a mesma ideia ao determinar que a vida privada deve ser preservada e que exposições indevidas podem gerar indenizações. Aqui, a Globo não estaria apenas captando imagens sem permissão; estaria expondo o interior de um ambiente privado a milhões de telespectadores.

Outro ponto sensível é o uso indevido da imagem, regulamentado pelo art. 20 do Código Civil. A legislação é clara: para divulgar imagem de alguém em ambiente privado, a autorização é imprescindível. Estamos falando de uma residência — o lugar mais protegido do ordenamento jurídico. Não existe “interesse jornalístico” que anule a obrigação legal de obter consentimento, principalmente quando a captação invade uma esfera que a própria Constituição trata como sagrada.

Há também a discussão sobre possíveis irregularidades administrativas envolvendo o uso do drone. As normas da ANAC e do DECEA proíbem o sobrevoo não autorizado sobre propriedades privadas e estabelecem limites rígidos de altura, distância e risco. Se o drone conseguiu captar imagens do interior da casa, é porque sobrevoava baixo demais — e possivelmente em desacordo com o regulamento RBAC-E 94. Não se trata apenas de privacidade: é também uma questão de segurança operacional.

No campo ético, o Código de Ética dos Jornalistas é direto ao vedar a utilização de métodos ardilosos para obtenção de conteúdo. Filmar o interior de uma residência sem autorização não se enquadra em nenhuma interpretação generosa do que seria aceitável em nome do jornalismo. A proteção da privacidade só pode ser rompida quando há interesse público evidente — e não quando uma emissora pretende criar narrativa ou gerar espetáculo político.

É importante destacar que, mesmo que a captação irregular fosse obra de terceiros, a emissora que divulga o conteúdo responde solidariamente. A jurisprudência brasileira é pacífica ao afirmar que veículos de comunicação não podem se beneficiar de material obtido de forma ilícita. Divulgar um vídeo gravado por drone em ambiente privado, sem autorização, coloca a empresa diretamente no centro da responsabilidade civil.

Por fim, a repercussão do caso ganha contornos ainda mais delicados por envolver figuras públicas de grande projeção. O fato de se tratar da residência de um ex-presidente e da visita de um deputado federal amplifica a gravidade da invasão. Não apenas pela exposição indevida, mas pela possibilidade de instrumentalização política do episódio. A imprensa tem dever de informar, não de violar direitos fundamentais para construir manchetes.

Em síntese, o episódio reúne — em tese — um conjunto preocupante de possíveis violações: violação de domicílio, violação da intimidade e imagem, uso indevido da imagem para fins midiáticos, descumprimento de normas aeronáuticas, quebra de preceitos éticos jornalísticos e responsabilidade civil por divulgação de conteúdo obtido de forma irregular. Um caso que, mais do que indignar, precisa servir de alerta: quando a mídia começa a achar que pode tudo, é justamente quando o cidadão mais precisa lembrar que a lei existe para proteger o indivíduo do abuso — venha ele de onde vier.

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